terça-feira, 29 de janeiro de 2013

INCÊNDIO NA "KISS" INTERIOR




INCÊNDIO NA “KISS” INTERIOR

                        Era madrugada quando o embalo noturno fazia a alma queimar de exultação! A mesma alegria que incendiava o ambiente elevava a apresentação da banda que impensadamente quis trazer mais brilho ao show... Então, acrescido ao espetáculo o vislumbre pirotécnico, o que era alegria se transformou, em instantes, em medo, desespero e tragédia. O “momento” mudou as feições e fez dos sentimentos um turbilhão! O show trágico agora se tornou a luta pela sobrevivência. O tumulto era crescente ante uma saída tão pequena. As chamas nascidas da pirotecnia inflamam o reforço acústico que tinha como finalidade principal vedar um pouco do grito, do barulho, da música festiva... Não havia extintores que o poderiam extinguir; não havia mais reforço acústico que poderia vedar ou esconder o sofrimento... Gritos; correria; gente pisoteando gente no afã de simplesmente, e quem sabe, respirar. Não há escapatória: a saída é pequena demais pra libertar o turbilhão de sentimentos, de sensações. Não há tempo pra pensar, apenas para sentir o indizível e para tentar fugir do indescritível!

                        Lá fora, já em liberdade, junto ao ar, a tragédia se faz de mesmo modo sufocante e o reforço acústico de toda uma nação se vê, igualmente, inflamado. A nossa alma é que experimenta a asfixia. Entretanto, o instrumento pirotécnico é a morte de aproximadamente 230 jovens; é o sepultamento de centenas de sonhos e objetivos; é o enterro da alegria, dos sorrisos, dos choros, das reflexões, da cólera e de tudo aquilo que, de alguma forma, compõe o ser humano em sua perfeita imperfeição, em sua simples complexidade. Esse foi e é o quadro de Santa Maria – RS e, também, do Brasil.

                        Tudo isso nos faz pensar... No afã de achar a alegria inserta num simples “Kiss” (beijo), a história e a tragédia vêm se repetindo, e se repetindo, e se repetindo... A tristeza interior de nossos jovens tem sido tratada por placebo, transformando justamente esse interior numa boate em ebulição; o reforço acústico do medo, da ignorância, dos desejos vãos construídos pelo espírito mórbido dessa sociedade podre, é altamente inflamável e as almas desses meninos e meninas são constantemente asfixiadas e queimadas ante o desejo pelo prazer imediato; por uma simples e impensada apresentação pirotécnica.

                        Alguns, nessa tragédia diária e anterior a de Santa Maria, saem completamente desfigurados e, mormente, precisam de um transplante de pele para a pele de suas almas e de seus espíritos. Aqui surge a alma artificial que tenta minorar a deformidade estética, mas não esconde as marcas e os estragos de um viver imediatista. Outros carregam as sequelas das queimaduras que afetam as vias respiratórias e suas almas ainda respiram por conta dos tubos de uma UTI espiritual, que não passa de outro mecanismo artificial para se fazer sobreviver; sem, contudo, permitir viver com plenitude e novidade de vida.

                        A nossa juventude se vê deformada, asfixiada, pisoteada por filosofias fúteis, enganosas, inflamáveis, sem sentido. Nossa juventude se vê perdida em um labirinto escuro; em um ambiente de ar tóxico, sufocante. Nossa juventude vive tateando desesperadamente buscando uma saída, passando por cima de quem pode, pisoteando para tentar respirar o ar da liberdade que, infelizmente, a aprisiona justamente em um banheiro que sequer tem uma janela para ser quebrada, de modo a apresentar o lado de fora desse interior de horrores; e ali, junto aos dejetos e à urina, morre sufocada sem possibilidade de ver a luz de um amanhecer, ou a refrescante brisa de uma madrugada. É a falta de “kisses” verdadeiros, de abraços, de afeto e de amor que faz boates como a “Kiss” se encherem de meninos e meninas que querem, antes de tudo, preencher o seu insaciável vazio interior.  

                        Nossa juventude tem extrapolado a meia-noite, atravessando a madrugada como se o dia não fosse raiar. Assim, as atitudes inconsequentes ditam as suas regras e elevam paredes e tetos enegrecidos, acusticamente reforçados para que o grito verdadeiro do espírito não possa se exprimir; donde a saída representa um minúsculo espaço de um labirinto de medo, insegurança e pavor. É o medo do futuro; é a insegurança do imprevisto; é o pavor do fracasso... Enquanto isso, em tragédias como essas, vemos que fracassamos em nosso modo de vida; em nossas ambições vãs; em nossa filosofia vaga e tola.

                        Quem dera se a chama que inflamasse os nossos jovens fosse o Espírito Santo que transforma a própria morte em glória, e a dor em exultação por conta da consciência de se estar sob o domínio de um propósito maior, soberano e indescritivelmente maravilhoso!

                        É complicado dizer isso em um momento de intensa dor, mas todas as coisas contribuem juntamente para o bem dos que amam a Deus. Que esse lastimável fato nos faça orar pedindo que o Senhor possa consolar as famílias das vítimas de Santa Maria – RS, mas, antes de tudo, por nossos moços e moças que todos os dias são asfixiados, desfigurados e mortos numa “Kiss” interior... É com dor e com lágrimas que desejo e oro por isso...

                        Que Deus seja a esperança dessa nação e dos nossos jovens!

Nenhum comentário: