sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Adoecidos e Adormecidos - Parte 5



Capítulo 4 – A questão do orgulho e do egocentrismo.

            O primeiro relato da manifestação de orgulho que temos na Palavra está em Gênesis e se refere à Queda do homem. Há o famoso diálogo entre a mulher e a serpente e, quando é cogitada a possibilidade de Eva ser “como Deus” (Gn 3.5), aquela árvore se torna boa para se comer, e seu fruto se torna agradável e desejável. A consequência é que a mulher, após comer do fruto proibido, oferece ao seu marido, que também o experimenta (Gn 3.6). Paulo, ao escrever a Timóteo, afirma que Adão não foi enganado quando participou daquele manjar amaldiçoado (1Tm 2.14). Quando, porém, inquirido por Deus daquele lastimável evento histórico, o homem aponta a responsabilidade para Deus, que deu a ele a mulher e esta, por sua vez, culpa a serpente.

            Fica, pois, evidente que a raiz do orgulho, que caminha para a rebelião contra Deus, já existia na serpente antes de o homem ter experimentado daquela árvore. Isaías e Ezequiel nos trazem revelação acerca da Queda de Satanás, a antiga serpente:

Filho do homem, levanta uma lamentação sobre o rei de Tiro, e dize-lhe: Assim diz o Senhor DEUS: Tu eras o selo da medida, cheio de sabedoria e perfeito em formosura. Estiveste no Éden, jardim de Deus; de toda a pedra preciosa era a tua cobertura: sardônia, topázio, diamante, turquesa, ônix, jaspe, safira, carbúnculo, esmeralda e ouro; em ti se faziam os teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados. Tu eras o querubim, ungido para cobrir, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniquidade em ti. (Ez 28.12-15)
Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E, contudo, levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo. (Is 14.12-15) [Ênfases adicionadas]

            Uma leitura atenta a todos os textos citados acima revela um único ponto em comum: o desejo de ser igual a Deus. Essa é a raiz do orgulho: o desejo de se tornar um ser autônomo (auto = próprio; nomia = regra; ou seja, um ser guiado pelas suas próprias leis), independente de Deus.

            A partir da Queda, o homem passou a desejar essa independência, retirando Deus do centro de sua vida. Inegavelmente, o homem esvaziou-se de Deus, perdeu a Sua extraordinária semelhança. Por isso, partilhamos todos nós, uma realidade indiscutível: Toda criança, jovem, adulto ou velho guardam dentro de si as raízes do orgulho. Quando Deus deixou de figurar como o centro do interior humano, outras coisas, necessariamente, passaram a preencher esse lugar.

            Vimos anteriormente que o ser é dependente do ter. Vimos também que Deus é a peça exata que se encaixa na lacuna infinita de nosso interior; Ele é o Ter que tanto precisamos, ainda que não O desejemos. Contudo, o que podemos compreender é que o egocentrismo gera a mais terrível das confusões, pois transformamos o nosso ser no que nós temos de mais valioso. O nosso ser se torna o nosso ter. Quando nos tornamos o nosso maior tesouro, automaticamente, tudo que está a nossa volta se manifesta inferior a nós mesmos.

            Tudo isso adoece o ser humano. Não poucas vezes vemos cristãos exclamando: “Fulano não está à minha altura!”. Outros pensam: “Essa pessoa não merece nem a minha compaixão”. Há alguns dias caminhava num shopping com minha filha e com minha sobrinha, ambas ainda crianças, e percebia o grau de egocentrismo manifesto na multidão. Muitos passavam por aquelas duas crianças sem qualquer tipo de respeito, sem mesmo, sequer, baixar a cabeça para olhá-las. Se não fosse a minha companhia com todo o meu cuidado, elas praticamente seriam pisoteadas.

            Dentro da igreja temos um grande número de pessoas tão cheias de si, que não enxergam as necessidades do irmãozinho ou da irmãzinha ao lado. Há tantas reclamações de que não recebem visitas; mas nunca os vemos visitando. Há murmúrios de muitos por falta de reconhecimento pessoal por parte da liderança, mas poucos são os que reconhecem o quão é importante aquele irmão humilde que se assenta lá atrás. Julgam sempre fazer melhor do que os outros: “Eu dirigiria o culto melhor do que aquele irmão”; “Eu pregaria melhor do que aquele outro”; “Eu tenho uma voz mais bonita do que aquela irmã que canta no ministério louvor”; “Eu oraria com mais fervor, e a igreja iria sentir o poder de Deus”; “Eu não suporto aquele fulaninho”. Em resumo, são tantos eu, eu e eu, que já não há espaço para Deus nesses corações inchados.

            João Batista foi considerado o mais peculiar e o maior de todos dos homens pelo Mestre Jesus (Mt 11.11). Contudo, este mesmo João afirmou acerca de si mesmo:

“É necessário que Ele [Cristo] cresça e que diminua.” (Jo 3.30)

            Nessa atitude, fica evidenciado o segredo de sua inegável piedade. João, por exaltar a glória de Cristo e por conhecê-lo, mesmo antes de tê-lo visto, compreendeu o seu lugar perante Deus: o lugar de humilhação. Ali está o remédio que nos cura de nós mesmos.

Medicando e tratando o orgulho: o lugar de humilhação.

            A natureza do orgulho deve ser tratada. Em Deus há excelsa glória, mas nunca houve orgulho. Ele nos prova isso por meio de Seu filho:

De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o SENHOR, para glória de Deus Pai. (Fp 2.5-11) [Ênfases adicionadas]

            Como Deus pode ser humilde e, ao mesmo tempo, rodeado de glória? A resposta é simples: a Sua Glória se manifesta em tudo o que Ele é, e a humildade é um de Seus extraordinários atributos. Por isso, nosso amado Mestre fala aos nossos corações:

Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. (Mt 11.29)

            Aprender de Cristo é crescer em Cristo (Os 6.3; 2Pd 3.18). Crescer em Cristo é galgar em direção à Sua estatura:

Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo (Ef 4.13)

            O caminho para se alcançar a estatura de Cristo é, justamente, a humilhação. Crescemos nEle, enquanto diminuímos de nós mesmos. Nesse caminho há muitos desafios e encontraremos, como regra, a provação:

Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes. (Tg 1.2-4)

            A provação nos conduz à humildade e ao consequente aperfeiçoamento do homem interior, que é sempre renovado (2Co 4.16). No caminho da humildade, entendemos que a nossa glória pessoal deve ser ofuscada pela Glória de Cristo.

            A cura do orgulho se dá por meio do quebrantamento. Somos vasos nas mãos do oleiro (Jr 18.3,4); e como vasos, somos feitos, no Senhor, conforme a Sua vontade, e não a nossa. Ainda que sejamos quebrados em Suas mãos, seremos renovados e transformados para a Sua glória.

            O crente precisa entender que há a necessidade de, dia após dia, ser curado do orgulho. E a cura, definitivamente, é a humildade. Quando Jesus diz que devemos aprender dEle, da Sua mansidão e humildade, Ele está nos dizendo que o caminho é a negação pessoal (Lc 9.23-24) e a obediência irrestrita e no Seu divino amor:

Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos. Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós; permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor. (Jo 15.8-10) [Ênfase adicionada]

            Que o Senhor nos conceda a Graça da humildade para que alcancemos a perfeição nEle, porquanto, sendo perfeito, Ele nos alcançou a nós (Mt 5.48; Tg 4.10; 1Pd 5.6).

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

INCÊNDIO NA "KISS" INTERIOR




INCÊNDIO NA “KISS” INTERIOR

                        Era madrugada quando o embalo noturno fazia a alma queimar de exultação! A mesma alegria que incendiava o ambiente elevava a apresentação da banda que impensadamente quis trazer mais brilho ao show... Então, acrescido ao espetáculo o vislumbre pirotécnico, o que era alegria se transformou, em instantes, em medo, desespero e tragédia. O “momento” mudou as feições e fez dos sentimentos um turbilhão! O show trágico agora se tornou a luta pela sobrevivência. O tumulto era crescente ante uma saída tão pequena. As chamas nascidas da pirotecnia inflamam o reforço acústico que tinha como finalidade principal vedar um pouco do grito, do barulho, da música festiva... Não havia extintores que o poderiam extinguir; não havia mais reforço acústico que poderia vedar ou esconder o sofrimento... Gritos; correria; gente pisoteando gente no afã de simplesmente, e quem sabe, respirar. Não há escapatória: a saída é pequena demais pra libertar o turbilhão de sentimentos, de sensações. Não há tempo pra pensar, apenas para sentir o indizível e para tentar fugir do indescritível!

                        Lá fora, já em liberdade, junto ao ar, a tragédia se faz de mesmo modo sufocante e o reforço acústico de toda uma nação se vê, igualmente, inflamado. A nossa alma é que experimenta a asfixia. Entretanto, o instrumento pirotécnico é a morte de aproximadamente 230 jovens; é o sepultamento de centenas de sonhos e objetivos; é o enterro da alegria, dos sorrisos, dos choros, das reflexões, da cólera e de tudo aquilo que, de alguma forma, compõe o ser humano em sua perfeita imperfeição, em sua simples complexidade. Esse foi e é o quadro de Santa Maria – RS e, também, do Brasil.

                        Tudo isso nos faz pensar... No afã de achar a alegria inserta num simples “Kiss” (beijo), a história e a tragédia vêm se repetindo, e se repetindo, e se repetindo... A tristeza interior de nossos jovens tem sido tratada por placebo, transformando justamente esse interior numa boate em ebulição; o reforço acústico do medo, da ignorância, dos desejos vãos construídos pelo espírito mórbido dessa sociedade podre, é altamente inflamável e as almas desses meninos e meninas são constantemente asfixiadas e queimadas ante o desejo pelo prazer imediato; por uma simples e impensada apresentação pirotécnica.

                        Alguns, nessa tragédia diária e anterior a de Santa Maria, saem completamente desfigurados e, mormente, precisam de um transplante de pele para a pele de suas almas e de seus espíritos. Aqui surge a alma artificial que tenta minorar a deformidade estética, mas não esconde as marcas e os estragos de um viver imediatista. Outros carregam as sequelas das queimaduras que afetam as vias respiratórias e suas almas ainda respiram por conta dos tubos de uma UTI espiritual, que não passa de outro mecanismo artificial para se fazer sobreviver; sem, contudo, permitir viver com plenitude e novidade de vida.

                        A nossa juventude se vê deformada, asfixiada, pisoteada por filosofias fúteis, enganosas, inflamáveis, sem sentido. Nossa juventude se vê perdida em um labirinto escuro; em um ambiente de ar tóxico, sufocante. Nossa juventude vive tateando desesperadamente buscando uma saída, passando por cima de quem pode, pisoteando para tentar respirar o ar da liberdade que, infelizmente, a aprisiona justamente em um banheiro que sequer tem uma janela para ser quebrada, de modo a apresentar o lado de fora desse interior de horrores; e ali, junto aos dejetos e à urina, morre sufocada sem possibilidade de ver a luz de um amanhecer, ou a refrescante brisa de uma madrugada. É a falta de “kisses” verdadeiros, de abraços, de afeto e de amor que faz boates como a “Kiss” se encherem de meninos e meninas que querem, antes de tudo, preencher o seu insaciável vazio interior.  

                        Nossa juventude tem extrapolado a meia-noite, atravessando a madrugada como se o dia não fosse raiar. Assim, as atitudes inconsequentes ditam as suas regras e elevam paredes e tetos enegrecidos, acusticamente reforçados para que o grito verdadeiro do espírito não possa se exprimir; donde a saída representa um minúsculo espaço de um labirinto de medo, insegurança e pavor. É o medo do futuro; é a insegurança do imprevisto; é o pavor do fracasso... Enquanto isso, em tragédias como essas, vemos que fracassamos em nosso modo de vida; em nossas ambições vãs; em nossa filosofia vaga e tola.

                        Quem dera se a chama que inflamasse os nossos jovens fosse o Espírito Santo que transforma a própria morte em glória, e a dor em exultação por conta da consciência de se estar sob o domínio de um propósito maior, soberano e indescritivelmente maravilhoso!

                        É complicado dizer isso em um momento de intensa dor, mas todas as coisas contribuem juntamente para o bem dos que amam a Deus. Que esse lastimável fato nos faça orar pedindo que o Senhor possa consolar as famílias das vítimas de Santa Maria – RS, mas, antes de tudo, por nossos moços e moças que todos os dias são asfixiados, desfigurados e mortos numa “Kiss” interior... É com dor e com lágrimas que desejo e oro por isso...

                        Que Deus seja a esperança dessa nação e dos nossos jovens!